Emprego/Formação Low-Cost III – associação nacional das entidades formadoras
21 Setembro 2014Ex. Sr. Rui Murta
Como “Presidente da Direção da associação empresarial das empresas do setor da formação profissional”, até compreendo o seu legitimo papel de defensor dos seus associados, embora tal posição, mediante os argumentos apresentados, me pareça frágil e inconsistente.
Todavia, desde já reconheço e agradeço a sua estupenda lição sobre conceitos base da atividade económica, que embora visivelmente procure ser adequada, não contempla factores essenciais da contemporaneidade, omitindo, por exemplo, valores relativos à gestão eficiente de recursos humanos, caindo por terra uma abordagem de líder, sobressaindo apenas uma arcaica postura de patrão! Realmente não passa de uma lição básica, assente em conteúdos desactualizados, digna de uma cadeira de primeiro ano de uma faculdade manhosa, e não mais do que isso.
Era de esperar que alguém com o seu cargo e inerente e responsabilidade tivesse uma visão mais abrangente sobre as necessidades, não só de desenvolvimento das competências da formação nacional, mas acima de tudo das próprias pessoas – dos profissionais responsáveis pela educação, treino, formação, investigação, etc. que são uma alavanca para economia e sucesso de pessoas como o Ex. Sr. Rui Murta.
Pela forma e pelo conteúdo do que escreve, estas matérias parecem ser-lhe alheias, portanto sinceramente acredito que não vale a pena perder muito mais tempo com conceitos que me são caros como condições de trabalho, exigências intelectuais de gestão e liderança, dignidade profissional ou até mesmo dignidade humana.
Assim, considerando as circunstancias, proponho aceitar o desafio proposto pela empresa sua associada, mas sem qualquer tipo de remuneração. Uma vez que a sua direcção funciona com empresas que prestam serviços assentes em “esmolas” (infelizmente tal como o IEFP), vamos assumir as coisas de frente e contas feitas o prejuízo para mim é somente de aproximadamente 10€ entre ser remunerado trabalhar pro bono.
Desta forma, pelo menos não sinto que me esteja a prostituir, e o caro Presidente da Direção da associação empresarial das empresas do setor da formação poderá ver aumentar os índices de rentabilidade das empresas sob a sua direcção. É que fazer formação com turmas de 2 formandos, meu amigo, é difícil de gerar riqueza ao país.
Se realmente estivéssemos num país civilizado, as chefias, sem fossem líderes, estariam muito mais preocupadas em contenção de custos em matérias como o uso de softwares livres (poupando milhões em licenças) e não em explorar pessoas – mesmo que sejam estas que com o seu contributo (não só em formação, ensino, etc., mas sim em investigação e desenvolvimento) que equilibram o défice de humanidade e inteligência das direcções.
Sou formador e investigador reconhecido, especialmente no que diz respeito ao software livre. Tenho vindo desde há vários anos desenvolvendo e actualizando manuais que disponibilizo gratuitamente por todos os portugueses, mas sinceramente, com situações deste tipo, cada vez me convenço mais que estou no país errado. Obrigado pela sua atenção e desejo-lhe as maiores felicidades profissionais e que não aconteça aos seu filhos e familiares o que me está acontecer a mim.
E para acabar, realmente acho que “(…) o problema de achar que 12 € / hora é pouco é um problema seu e apenas seu.” é mesmo verdade. Aqui concordo consigo.
Infelizmente, não é só meu… é de muitos portugueses que também custos fixos, tais como a segurança social, rendas das suas casas, eletricidade, água, equipamentos, manutenção do seu automóvel, e que tentam sobreviver (em vez de ter lucro) com dignidade quando deveriam ser apoiados pelo contributo que dão aos seus concidadãos.
Mas suponho que este problema não seja o seu.
Melhores cumprimentos.
Adriano Afonso
Em 13-09-2014 20:37, Rui Murta escreveu:
Boa tarde
Acusamos a receção do seu email, o qual mereceu a nossa melhor atenção.
A ANEF é, como decerto saberá, a associação empresarial das empresas do setor da formação profissional.
O caso concreto que apresenta não é, naturalmente, responsabilidade da ANEF, e nesse sentido estrito nem compreendemos a razão de nos ter remetido este email.
Pelo que descreve, trata-se de uma normal relação negocial, como diariamente ocorrerão certamente muitos milhares, senão milhões, na atividade económica do país, onde dois agentes económicos tentam negociar um acordo de interesse comum, sendo para aqui irrelevante se atingem ou não esse acordo.
Nesse contexto, a ANEF é absolutamente alheia às condições contratuais negociadas por qualquer dos seus associados.
No entanto, quer o tom (que inclui ameaças fúteis) quer a forma do seu texto, atingem potencialmente todos e cada um dos nossos associados (e no geral toda e qualquer empresa, seja de formação ou de outro ramo), e é nessa perspetiva que entendemos ser pertinente tomarmos aqui uma posição, ou mais simplesmente prestar-lhe alguns esclarecimentos sobre conceitos base da atividade económica.
Uma relação comercial baseia-se por regra em dois intervenientes, o comprador e o vendedor. Desde que cumpridos os normais requisitos legais do direito em geral, e do comercial em particular, no nosso país essa relação é livre, e o estabelecimento das condições deve ser negociado entre as partes.
O que é normal é que, não havendo acordo, não existam problemas. Dito em português corrente, cada um vai à sua vida, e não há estabelecimento de qualquer relação comercial. Os problemas podem surgir apenas quando tal relação comercial é estabelecida, e alguma das partes não cumpra, posteriormente, os termos do acordo.
O paradoxo do seu caso parece ser o ter surgido um problema mesmo sem ter havido relação comercial, e isso é bizarro.
Do que depreendemos do seu email, a sua razão de queixa será por o seu potencial parceiro comercial não ter aceite os seus termos.
Compreenderá que não é uma queixa muito normal, nem consistente. O princípio da livre atividade económica tem exatamente a ver com a liberdade de cada agente negociar, e aceitar ou não, os termos propostos, em função do seu próprio interesse.
A sua liberdade de não aceitar a proposta da empresa é exatamente a mesma da empresa não aceitar a sua proposta (formalizada ou subjetiva, como parece ter sido o caso, pois apenas refere que a proposta é baixa, não especificando se chegou a apresentar alguma contra proposta, mas isso nem é relevante aqui).
Este é o principio base da relação comercial, e subsequentemente da atividade económica.
Aprofundando um pouco mais o caso em concreto que apresenta, e tendo em consideração as contas que elabora, parece-nos que a principal razão das suas queixas tem a ver com o sistema fiscal do país, e nada a ver com a proposta feita pela empresa.
De facto, a enorme carga de IRS e descontos para segurança social é comum a todos os portugueses, sejam trabalhadores, empresas, reformados, etc. O que não parece muito normal é imputar a uma empresa a responsabilidade pela carga fiscal do país. Ou pelo preço dos transportes públicos.
Porque as contas que tão bem faz podem igualmente ser feitas na perspetiva inversa.
Imaginemos que uma empresa de formação faz um curso de Formação Pedagógica Inicial de Formadores, cujo preço médio de mercado andará pelos 180,00 €.
Como o curso tem 92 horas (no mínimo), o encargo direto com o formador será de 92 horas x 14,00 € = 1.288,00 €. Como de imposto direto em IRC a empresa paga uma taxa de 25%, temos que a empresa tem um custo direto, só nestes dois itens, de 1.288 € + 25% = 1.610,00 €.
Considerando apenas custos com formador e IRC, o curso tem que ter pelo menos 9 formandos. Isto sem considerar outros custos, como pessoal, segurança social, rendas, eletricidade, água, equipamentos, manutenção, etc. E ainda temos que considerar a sua margem de lucro, pois apesar de certos anacronismos ideológicos, há que afirmar claramente que o legítimo objetivo, direito e mesmo dever de uma empresa é ter lucro. Só uma empresa com lucros pode pagar impostos, os quais são a fonte de financiamento do Estado.
Como perceberá, uma entidade que realize este curso com menos de uns 15 formandos também terá um saldo negativo, a vermelho, como expõe no seu texto ao fazer as suas contas. Mas pior ainda: uma empresa é obrigada a suportar a maior parte desses custos (como rendas, pessoal, electricidade, impostos, manutenção) mesmo que não realize qualquer curso. Pelo menos do seu lado tem a vantagem de, não tendo atividade, não incorrer em quaisquer custos.
Chamamos a sua particular atenção para o valor hora de referência que adotámos para o cálculo acima (14,00 €), que é o valor atualmente praticado pelo IEFP, entidade pública de referência da formação profissional, cuja atividade não visa o lucro, tem fundos comunitários para financiar a formação e, não menos importante, não paga impostos. E as despesas de investimento (instalações, equipamentos) são ainda pagas pelos nossos impostos.
Tendo em consta o diferencial de condições entre o IEFP e uma entidade formadora privada, parece-nos que uma diferença de 14% no valor hora pago não é muito relevante. Ainda para mais quando, como reconhece na sua exposição, a empresa que a entrevistou iria realizar um curso com duas pessoas.
Obviamente que a sua avaliação do facto de a empresa decidir realizar o curso com apenas dois formandos está absolutamente correta, quando diz que “o facto de apenas ter 2 formandos é um problema seu e apenas seu”. Mas, em nome do rigor e da equidade, deverá reconhecer que a leitura do empregador é legitimamente a mesma: o problema de achar que 12 € / hora é pouco é um problema seu e apenas seu.
Esperamos ter contribuído para esclarecer melhor os factos e as razões que reportou.
Melhores cumprimentos
Rui Murta
Presidente da Direção